segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

MANTENDO UM BOM CLIMA NO CASAMENTO

Preparado pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho, 

Conta-se a história do político que morreu e teve a oportunidade de escolher para onde gostaria de ir. Evidentemente isto é uma piada e assim deve ser vista. Não é ensino teológico. Visitou o céu e viu coros, anjos, harpas, gente assentada, ouvindo ensinos e explicações, tudo tranqüilo. Visitou o inferno e gostou do que viu: mulheres bonitas, pouco vestidas, bebidas, boa música, comida farta, piadas, risos, ambiente agradabilíssimo. Voltando aonde deveria definir sua situação, disse ao anjo da recepção que o céu era bom, mas o inferno era melhor. Preferia ir para lá, ao que o anjo concordou. Gosto é gosto. Lá chegando, abriu a porta, levou um tapa violento, foi pisoteado, fincado em um garfo e jogado num caldeirão. Viu que todos estavam sendo tratados assim, e que o quadro era de desespero. Perguntou ao demônio que por ali passava porque aquilo estava acontecendo, se antes era tudo tão atraente e promissor. O demônio lhe respondeu que isto fora antes. Agora já haviam conseguido seu voto e ele tinha que agüentar a realidade. 

 Mutatis mutandis, isto acontece em muitos matrimônios. Já se conseguiu o “sim” da outra parte e agora o cenário real aparece. A pessoa surge sem máscara, como é. Os momentos tão agradáveis do passado cedem lugar a um caldeirão onde se é espetado diariamente. Esta circunstância sucede por causa de um equívoco. O momento do casamento foi visto como linha de chegada e não como linha de partida. Usando a figura de uma corrida, o namoro e o noivado foram a corrida e agora parece que se chegou aonde queria. O namoro e o noivado devem ser vistos como aquecimento e o casamento como a corrida. Agora é que vai começar o relacionamento verdadeiro, sem máscaras, sem atrativos para ganhar o voto da outra parte. 

Tendo isto em mente, alinhavo a seguir algumas idéias para seguir no rumo proposto, “Mantendo um bom clima no casamento”. Há casamentos azedados, e outros quase a azedar. Mas há alguns em que a doçura permanece. Há alguns pontos que quero observar com vocês e peço sua atenção para eles. Poderão ajudar nossos casamentos a não azedarem. Apenas ajudar, friso, porque somos nós quem o azedamos ou adoçamos a relação. 

1. A CONSCIÊNCIA DO QUE FIZERAM 

É preciso ter consciência do que fizeram ao se unirem pelos laços do matrimônio. Com algumas variações e poucas exceções, o quadro, em geral, é este: Homem – você tirou uma moça da casa dos pais dela; Mulher – você saiu da casa dos seus pais e atrelou sua vida à dele. É este o sentido de “serão uma só carne”. Uma nova unidade surgiu, vocês dois. Fizeram um acordo. Os dois são um. Foi uma atitude consciente, responsável, e na qual devem investir suas vidas. O maior investimento será a partir de agora. O maior investimento não foi quando o rapaz “passou a conversa” na moça ou quando a moça “seduziu” o rapaz. O maior será desde agora. Muitos casamentos falham porque os cônjuges o dão como um produto terminado, como se fosse algo completo. O casamento nunca é completo. É algo que se constrói no dia a dia. Uso muito esta figura: não é um baobá maduro e sólido, mas uma plantinha tenra, a ser adubada e regada, todos os dias. O adubo é atenção, ternura, cortesia, boas palavras. E todos os dias devem se tirar as ervas daninhas, como ciúmes, desejo de mando, manipulação, chiliques, grossura, etc. 

O que fizeram no dia do sim? “Casaram-se”, dirá alguém. Visão simplista. “Começaram o casamento”, digo eu. Ele só estará concluído quando acabar. E só acaba pela morte de um dos dois, como é o desejo de Deus. Infelizmente, alguns acabam pelo divórcio, não como vontade expressa e direta, mas sob concessão de Deus. O que fizeram foi iniciar uma jornada em comum. Não a vejam como se fosse uma jornada pessoal, em que um é coadjuvado pelo outro, nem uma jornada de 2 beligerantes, mas uma jornada comum. Andar juntos é o que decidiram fazer. Não é apenas dormir juntos. Caminhar juntos. Uma das dedicatórias mais bonitas que já vi em um livro foi a que Francis Schaeffer fez em O Deus que Intervém, para sua esposa, Edith: “Para aquela que tem andado de mãos dadas comigo por uns curtíssimos trinta e cinco anos”. Marido apaixonado, Schaeffer expressou bem o segredo de um casamento bem sucedido: andar de mãos dadas, e o tempo, por maior que seja, sempre é curto. Como Camões, gênio maior de nossa língua e um dos motivos de orgulho de Portugal, disse do amor de Jacó por Raquel: “Mais servira, se não fora/Para tão longo amor tão curta a vida”. 

2. CONSTRUIR A REALIDADE 

O período de namoro e noivado é de encanto e o do casamento, de realidade. Assim entendem muitos. Expressão infeliz. Uma das coisas mais encantadoras é conhecer lugares novos. E conhecer gente nova também é bom. Mas conhecer aspectos novos de pessoas conhecidas também é bom e encantador. Ajuda muito a viver bem. 

A realidade do casamento não é cruel nem má, como algumas piadas parecem indicar. Na verdade, a realidade do casamento não existe, como algo a receber. O casal a constrói. A realidade de cada casamento não é um traje pronto que envergamos, mas um que tecemos. O período pré-casamento e o período do casamento não são realidades colidentes, em choque uma contra a outra. A realidade que o casal constrói deve ser a projeção dos sonhos do período de encanto. Há alvos que foram delineados. Se não acontecem, que não se desista, mas que se os persigam. Talvez alguns devam ser reformulados, mas um casamento sem alvos é meio descolorido. 

Muitos cônjuges destroem os sonhos e se queixam que a outra parte os destruiu. Sonhos são acalentados por pequenas coisas. E aniquilados por pequenas coisas. Homem, leve flores, abra a porta do carro para ela entrar, guarde e comemore as datas especiais para vocês. Mulher, lembre-se do prato especial dele, arrume-se para ele (há mulher que só se arruma para sair), dê-lhe apoio. No relacionamento conjugal a educação no trato deve existir. Há casais que vivem em estado permanente de beligerância. Desarmem-se, evitem os golpes baixos (dos quais falei na penúltima palestra) e construam sua realidade de maneira positiva. As coisas, principalmente as coisas boas, não acontecem por acaso. Devem ser trabalhadas. Nós construímos. 

Há pessoas que, por força de sua atividade profissional, são gentis com estranhos. Mas nem sempre o são no trato com a família. Um casamento não pode prescindir de um clima de cortesia no trato, mais que a relação profissional exige. Bons modos se praticam em casa, e com o cônjuge, mais que em qualquer outro lugar e mais que com qualquer pessoa. 

 3. AUTODOAÇÃO 

Conta-se a história de uma mulher que teve à sua porta, um dia, um pedinte perguntando se ela não tinha alguma coisa velha e imprestável para ela e que pudesse dar, que não lhe faria falta. Ela prontamente respondeu que sim e apontou o marido refestelado, roncando, numa poltrona. Autodoação não é isto, doar algo que deveria ser uma parte nossa. Deixem-me tentar explicar. 

O período de namoro e de noivado é de querer agradar a outra parte. No período de casamento, a atitude de alguns muda: querem ser agradados. A pessoa se torna intransigente. Uma das frases mais infelizes que alguém pode pronunciar é esta: “Sou assim e não mudo”. Ora, se pensa desta maneira, vá ser ermitão ou ermitã. Vá morar no mato, longe de todo mundo. Então não precisará mudar. Poderá ser o bugre (não torcedor do Guarani) que deseja ser. A vida é relacional. Temos sempre que nos adaptar a outras pessoas, lugares e situações. O casamento é uma empreitada relacional. Não se trata de impor um estilo de vida à outra parte, mas de procurar se relacionar bem com a outra parte. Isto implicará em mudanças. De ambos, não apenas de um. Se os dois se ajeitam, 3 acabará surgindo um estilo comum aos dois, que nem mesmo era de um. Os dois se autodoaram e fizeram surgir um novo caminho. 

Se você deseja experimentar grande progresso em seu casamento, não espere que seu cônjuge se sacrifique ou se autodoe ou se ajuste a você. Pergunte-se: “Em que posso agradá-lo (a)? Como posso melhorar?”. Muitos querem amor, ou seja, querem doação. Mas não amam, ou seja, não se autodoam. “Nós amamos porque ele nos amou primeiro”, diz João. Jesus nos deu amor e é por isto que nós amamos a ele e uns aos outros. Quem ama não precisa pedir amor. Ele vem. Dificilmente alguém responde a amor com pontapés. Autodoe-se em seu casamento. 

 4. ENFOQUE CORRETO 

Ouça muita gente dizer “Tenho o direito de ser feliz!”. Que significa isto? Que significa “tenho direito”? Direito pressupõe obrigação. Raramente ouço alguém dizer “Tenho a obrigação de tornar meu cônjuge feliz!”. E o que significa ser feliz? Ser adulado? Ser satisfeito em caprichos? Presumo que Madre Teresa de Calcutá fosse uma pessoa feliz. E havia optado pela pobreza e serviço aos hansenianos. Li, nesta semana, de um playboy paulista do passado (omito seu nome para não dar ibope a quem não merece), que no fim da sua vida fútil se sente frustrado. Quando escuto alguém dizer que “tem o direito de ser feliz” fico com a impressão de que pensa que a outra parte deve ser seu capacho (como há homem que procura mulher capacho!) ou satisfazer seus chiliques (e há mulheres – homens também – chiliquentas). E deveres, têm? Quais são? Porque não os declara e busca cumprir? 

Seu alvo no casamento deve ser tornar seu cônjuge feliz. Se você conseguir isto, será feliz. Há homens que são conquistadores, pulando de cama em cama com razoável regularidade. Como disse alguém, conquistar uma mulher por dia é fácil. O difícil é conquistar a mesma mulher todos os dias. Seduzir um homem por dia não é difícil. Mas seduzir e encantar o mesmo homem todos os dias é mais difícil. Tenho visto que as pessoas mais realizadas na vida matrimonial não são as que reclamam amor, mas as que dão amor. Não as que buscam felicidade, mas as que buscam tornar alguém feliz. Tenhamos o enfoque correto: vida para outros e não a vida dos outros para nós. Viva para seu cônjuge. Aqui repito a autodoação, mas não por falta de planejamento. É que estes dois tópicos são gêmeos. 

Há maridos tão mesquinhos, que as mulheres, dependendo deles economicamente, precisam implorar um batom ou uma bijuteria. E há maridos que nunca têm companhia. Aliás, isto já foi assunto em outra ocasião: mulher, seja mãe, seja avó, mas não deixe de ser esposa. Lembre-se da sua outra parte. Um cônjuge só faz lembrar a música de Chico Buarque: “ó metade arrancada de mim”. Quando alguém se sente bem sem a outra parte, está com enfoque errado. Foi mutilado e não sente. Está mal. E um casamento em que uma parte está mal não demora a afundar, se não for tratado. Porque 50% de gangrena podem evoluir para 100%. Se já perdeu a metade, o resto pode acabar. Para regredir precisa de tratamento. 

5. VIRTUDES MAIS QUE DEFEITOS 

Veja as virtudes mais que os defeitos de seu cônjuge. Uma vez disse isto a um casal e ela me respondeu: “Pastor, ele não presta, só tem defeitos!”. Bem, pelo menos uma virtude ele tinha: aturava uma atitude desta. 

 Nos momentos de crise é fácil enxergarmos os pontos negativos. Mas deve haver alguma coisa positiva. É curioso como racionalizamos questões espirituais e nem sempre fazemos assim com questões emocionais. Trabalhando tanto tempo em seminário teológico, vi muita gente que raciocinou desta maneira: não conseguiu passar no vestibular, então entendeu que Deus o chamava para ser pastor. Isto é terrível. Parece que ser pastor é ser o rebotalho, o resto do mundo. Já que não 4 deu para nada, vai ser pastor. Mas é uma forma de racionalizar o fracasso. Procurou uma possibilidade na derrota. 

Há boas possibilidades na vida conjugal. Há recursos a usar, como a oração, o exercício da esperança cristã, a caminhada no amadurecimento, o diálogo, o aconselhamento. Mas o ponto central é que um casamento que passa por crises, quando estas são superadas, tende a se tornar estável, pois foi provado e sobreviveu. Não estou falando de conformismo, mas de desafio de uma luta a travar. Jogar a toalha é um recurso extremíssimo. A questão é que tenho visto que, em muitas ocasiões, a perspectiva da pessoa é pior que a situação propriamente dita. Ela se predispôs. Até mesmo quando resolve dar uma segunda oportunidade, já estabelece “senões”. 

 Se há um ponto positivo, por que não investir nele? Se só os pontos negativos são vistos será que não é mais uma questão de ótica? A postura de só ver pontos negativos é uma variação da postura acusatória, em que se tenta colocar a outra parte em desvantagem na negociação. Depreciando-a por completo, o depreciador se põe em posição de vantagem, pois tudo que intentar poderá ser justificado. Esta atitude não é honesta. Cuidado com ela. Evite-a e veja as áreas em que você pode soerguer seu casamento, e não afundá-lo. Trabalhe e potencialize as virtudes, os pontos fortes de seu casamento. 

6. SENSO DE ADAPTAÇÃO 

Senso de adaptação é compreender que casou com aquela pessoa, que ela é assim. Não pode permanecer naquela de “Você não era assim!”. Pode até ser verdade, mas isto não leva a nada. Algumas vezes a pessoa já era assim, mas a parte hoje queixosa não viu ou não quis ver. Agora culpa a outra pela sua cegueira. 

Pode-se não gostar de como a pessoa é, mas esta não é a questão principal. A principal é “Como ajudá-la?”. Em outras palavras, como estabelecer um bom clima relacional. Isto não significa trazer a pessoa ao nosso jeito. É como encontrar um jeito de se fundirem, de os dois se encontrarem. Um dos segredos de um casamento bem sucedido não é tornar a pessoa um clone seu ou moldá-la ao seu prazer, porque não se está em luta para ver quem prevalece, mas complementar a pessoa. Cada um de nós é incompleto. Nenhum de nós se basta. Até o narcisista é incompleto porque na sua doença precisa de aplausos. Deus nos fez entes incompletos e só nos completamos no outro. Este é o sentido de “Não é bom que o homem esteja só”. Não é porque precisamos de alguém com quem brigar ou de alguém a quem molestar. Mas de alguém a nos acompanhar e a quem acompanharmos. Casamento é companhia. Companhia pressupõe adaptação mútua. Muitas vezes, alguém quer mudar seu cônjuge, mas não a si. Lembra-me uma frase de Mark Twain: “Todo mundo fala em mudar o mundo, mas ninguém fala em mudar a si mesmo”. Quem queira mudar o mundo, deve mudar-se a si mesmo. E quem queira mudar os outros deve mudar-se a si mesmo. De preferência para melhor. Isto é adaptar-se. Se você quer mudar seu cônjuge, observe se já mudou a si mesmo em suas deficiências (que geralmente você sabe quais são). 

 Há maridos que querem ser os eternos filhinhos da mamãe. A esposa é uma segunda mamãe a cuidar e paparicar dele. Há esposas que querem ser as eternas menininhas do papai. O marido é alguém a satisfazer seus caprichos. “Deixar pai e mãe” não significa romper relações com os ancestrais nem abandoná-los. Significa ser capaz de assumir uma nova função na vida. E casamento é isto, uma função nova, à qual devemos nos adaptar. Deve haver cuidados, óbvio. Não devemos, no entanto, viver com quem só espera ser cuidado. 

CONCLUSÃO 

Vinícius de Morais disse que “o amor é eterno enquanto dura”. Tenho pena dele, apesar da sua frase de efeito ter encantado tanta gente desprevenida. Paulo disse que “o amor nunca acaba”. 5 O verdadeiro amor nunca acaba. O casal bem sucedido não é aquele em que o lar nada em dinheiro e ele, o casal, passa as férias na Europa, ou aqueles em que ambos têm sempre carro do ano ou possuem as últimas novidades elétricas e eletrônicas. Pode haver dureza e pobreza, mas o casal realmente bem sucedido é aquele em que, passados os anos, os dois podem olhar um para o outro e dizer: “Eu escolhi bem. E escolheria você novamente”. Isto não acontece por acaso. É algo que deve ser trabalhado. E só acontece quando se trabalha bastante para que isto aconteça. 

Talvez eu os escandalize, mas creio que já me conhecem. Após quatro anos de pastorado sabem que seu pastor não é lá grande coisa, mas não anda dizendo bobagens nem heresias por aí. Os casamentos não são feitos no céu. Não acredito nesta história de que quando alguém nasceu Deus preparou seu cônjuge. Se isto fosse verdade, minha mãe foi grandemente injustiçada. Minha madrasta nasceu dois anos antes dela se casar com meu pai. Ou seja, quando minha madrasta nasceu, minha mãe ainda não se casara com meu pai, mas Deus já decidira pela viuvez de meu pai, antes de seu casamento, para minha madrasta casar com ele. Será que não havia ninguém no mundo para se casar com aquele bebê, dezenove anos depois? E as pessoas que não se casam? Deus não escolheu ninguém para elas? Deus abençoa nossos casamentos, mas eles são escolhas humanas. Deus abençoa nossas escolhas. Mas muitas vezes nós as tomamos sem consulta a ele. O andamento de nosso matrimônio é nosso. Nós escolhemos com quem casar. E nós construímos o tipo de casamento que vivenciamos. Esta é a questão: escolhamos viver bem e esforcemo-nos para isto!

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